Debate na Adufes promove reflexão sobre a atuação de sindicatos e organizações de esquerda nas redes sociais

Não se trata de abandonar a disputa nas redes, mas de pensar sobre o que está sendo produzido e o que se pretende construir para além de engajamento e/ou dados positivos de performance (difíceis de alcançar), sempre em diálogo com as pessoas, porque elas só estarão engajadas se identificarem nos sindicatos o lugar onde seus anseios são ouvidos e considerados na luta

Foi realizado nesta quarta-feira, 4 de junho, na sede da Adufes, o módulo de Comunicação do Curso de Formação em Arte, Comunicação e Política, realizado pelo Grupo de Trabalho em Comunicação e Arte (GTCA-Adufes). A convidada foi a jornalista Cátia Guimarães, editora da Revista Poli – saúde, educação e trabalho (Fiocruz), mestre em Comunicação e Cultura e doutora em Serviço Social, com pós-doutorado em Comunicação. O tema da atividade foi “Desafios da comunicação popular e sindical em tempos de hegemonia das redes digitais”, abordando o papel da comunicação contra-hegemônica no contexto do avanço global de governos de extrema-direita.

A palestrante fez uma breve contextualização sobre como a audiência se comporta diante das informações que recebe e a atualização desse processo no contexto das redes sociais e das novas formas de produzir e distribuir conteúdo. Utilizando conceitos de Antonio Gramsci, Cátia lembrou que o senso comum e a opinião pública são construídos socialmente e acabam por manter a hegemonia das classes dominantes.

O senso comum é um conjunto de ideias e crenças que a maioria das pessoas acredita serem naturais, mas que refletem pensamentos impostos por instituições como escola, igreja, mídia e, agora, algoritmos de redes sociais. As pessoas aderem a essas ideias porque elas oferecem explicações simples geralmente oriundas da família, de grupos e/ou outras pessoas com os quais construíram laços afetivos e de identificação — e reforçadas desde a infância. Essas ideias também evitam o desconforto da mudança e, dessa forma, tendem a beneficiar o pensamento conservador.

Os novos atores

Assim como no contexto histórico de Gramsci, ainda hoje a opinião pública não nasce espontaneamente, mas sendo fabricada por grupos que controlam os discursos e o consumo de conteúdo, tendo como novos atores as big techs e suas plataformas.

Para entender melhor o senso comum, há uma metáfora que convida a pensar na consciência das pessoas como se estivesse organizada em prateleiras mentais, onde se armazenam ideias, valores e crenças. Agora, pense que nas prateleiras que estão mais facilmente ao alcance se encontram ideias mais simples, fragmentadas, muitas vezes contraditórias — típicas do senso comum. Nas prateleiras de acesso mais difícil estão as ideias mais elaboradas, críticas, e organizadas. As pessoas tendem a pegar o que está mais fácil de alcançar, mais à mão, o que não significa que são “idiotas”. Todo o ser humano lança mão desse mecanismo no cotidiano, pois é impossível problematizar cada passo dado no dia a dia.

É preciso entender, contudo, que essa consciência não é uniforme e, por isso, uma pessoa pode defender, por exemplo, que todos são iguais perante a lei, mas, ao mesmo tempo, repetir ideias racistas ou concordar que mulheres devem ser submissas ao homem porque este é quem deve mandar. Isso ocorre porque as “prateleiras” estão ocupadas por conteúdos diversos e contraditórios. A “pergunta de um milhão de dólares” é: como a esquerda pode posicionar melhor as suas ideias nesse armário?

O que fazer nas redes sociais

O mecanismo apontado por Cátia Guimarães é reproduzido nas redes sociais e ela convida a uma reflexão sobre a atuação das entidades sindicais nesses ambientes, destacando que não se trata de abandonar a disputa nessas arenas, mas de pensar sobre o que está sendo produzido para as redes e o que se pretende construir para além de engajamento e/ou dados positivos de performance (difíceis de alcançar) conquistados a partir da produção de conteúdos que talvez não contribuam para além de números imediatos.

É preciso refletir sobre o alcance de uma “conversão” da audiência (pedindo licença aqui para utilizar uma métrica das próprias plataformas) para a luta coletiva da classe trabalhadora no médio e no longo prazo, sempre em diálogo com as pessoas, porque elas só estarão engajadas se identificarem nos sindicatos o lugar onde seus anseios são ouvidos e considerados na luta.

A convidada apontou uma espécie de caminho inverso como alternativa para a esquerda do que ocorre hoje com a utilização das redes na tentativa de pautar a luta e o debate. Em vez de tentar reproduzir fórmulas já utilizadas, seria importante ouvir as pessoas e saber delas sobre o que querem falar, debater, se debruçar. A ideia de ditar a elas “sobre o que” devem falar em um ambiente no qual todos os mecanismos são benéficos para o discursos de ódio, conservador e de extrema-direita já se mostrou não producente para além do curto prazo. Para Cátia Guimarães, é preciso pensar a construção de novos laços afetivos e de identificação a partir de uma escuta que possa deslocar as pessoas da rede social para outros espaços de debate.

Outros temas

Outras temáticas abordadas de maneira transversal foram a regulação das plataformas digitais e as contradições dentro do próprio mercado de Comunicação entre grupos de mídias tradicionais, como a Rede Globo e Big Techs como Meta e Google; a influência dos dispositivos, dos softwares e das IAs no comportamento e na superação das limitações do corpo biológico; e a instalação de data centers monumentais (locais de armazenamento e processamento de dados, incluindo IAs) na periferia do capitalismo e o seu grande consumo de água e energia; entre outros.

Logo após a palestra da convidada, as/os presentes puderam fazer perguntas e houve ampla participação de docentes, estudantes e também profissionais da área de comunicação, com emissão de certificados para todas e todos que participaram.

Adufes