Evento também contou com reunião preparatória para a Marcha das Mulheres Negras que acontece em Brasília no dia 25 de novembro
O mês de julho marca uma data fundamental para o movimento das mulheres negras: o dia 25, celebrado como o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Em alusão à esta referência, o GT Política de Classe para as Questões Étnico-Raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) da Adufes realizou atividades no dia 24 de julho na sede do Sindicato, no campus de Goiabeiras. As ações estão em consonância com a campanha “Sou Docente Antirracista” do Andes-SN.
A primeira atividade foi uma reunião preparatória entre o Núcleo Sindical e os movimentos sociais para a Marcha das Mulheres Negras que será realizada no dia 25 de novembro, em Brasília. O encontro contou com a participação de Adriana Silva, integrante do Comitê organizador da Marcha, e foram debatidas as estratégias de mobilização para a participação das mulheres.
Na sequência, foi realizada uma apresentação cultural, a convite do GTPCEGDS, com o Instituto Serenata D’Favela. Houve apresentações musicais com a orquestra Sinfonia D’Favela e o Coral Serenata D’Favela, ambos compostos por crianças e adolescentes moradores de morros de Vitória. Também aconteceu uma apresentação de batalha de poesias com Rissiani Queiroz e Luiza Vitório, do UfeSlam.
Houve, ainda, a mesa “O Protagonismo das Mulheres Negras na Luta Docente e Sindical Contemporânea”, com a participação de Rosineide Freitas, professora assistente na Unidade Cap Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); e Zuleide Fernandes Queiroz, professora da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará.
Bem viver
Para Rosineide Freitas, a luta das mulheres negras é também por plenitude e bem viver, algo que ainda está distante da realidade da maioria das mulheres negras. “Ainda que tenhamos alguns avanços nas políticas públicas para as mulheres, esses avanços não atingem a maioria da população, que são as mulheres negras”, lembrou.
Para ela, há uma importância simbólica e política da data. “É preciso saudar o 25 de julho, que é um dia importante para as mulheres negras de luta, e lembrar que estamos celebrando 10 anos da primeira grande marcha, que já trazia a perspectiva do bem viver”, afirmou.
Rosineide explica que o conceito de bem viver está atrelado à ideia de acesso pleno às políticas públicas, ao direito de fruição da vida em plenitude. “A nós, mulheres negras, sempre é legado o trabalho pesado: o cuidar, o criar”. A professora citou dados alarmantes como os altos índices de mortalidade, feminicídio, violência obstétrica, violência sexual, assédio e ausência de mulheres negras em postos de liderança e cargos com maior remuneração. “Isso precisa ser enfrentado com políticas públicas que considerem nossas especificidades”, defendeu.
E no ensino superior público, destaca Rosineide, as mulheres negras ainda são minoria e estão sub-representadas nos espaços de decisão. “Quando conseguimos ocupar esses espaços de representação, sofremos duplamente: pelo machismo e pelo racismo”.
Marcha das Mulheres Negras
Por tudo isso, a professora da Uerj frisa a importância da mobilização política ao longo do segundo semestre, destacando a conexão entre o 25 de julho e o 25 de novembro — Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. “Nós estamos em marcha para denunciar tudo aquilo que ainda acomete a vida das mulheres negras: as inequidades, os não-acessos e os índices alarmantes que nos atravessam”.
Nesse sentido, a Marcha das Mulheres Negras, que será realizada no dia 25 de novembro, será um momento-chave. “Nossa perspectiva é colocar um milhão de mulheres negras nas ruas para apresentar um projeto outro de sociedade”, afirmou Rosineide Freitas. Ela também destacou a parceria entre o Andes-SN, que está convocando para a manifestação, e o Fórum Nacional de Mulheres Negras na construção da mobilização.
A professora defendeu que as seções sindicais estejam engajadas nesse processo dando materialidade à campanha “Eu Sou Docente Antirracista”, do Andes-SN, com apoio às/aos docentes na luta contra o racismo, que é estrutural, mas que se expressa nas instituições no âmbito do racismo institucional.
Dignidade na vida cotidiana
Para Zuleide Fernandes Queiroz, professora da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará, falar sobre reparação histórica e bem viver é falar, antes de tudo, sobre liberdade. Ela defende que as pautas do 25 de julho passam pela dignidade na vida cotidiana, principalmente das mulheres negras que movem a economia do país, mesmo enfrentando a precariedade e a exclusão.
“Falamos em reparação e bem viver. Falamos em ter direito a respirar. Isso significa ter liberdade em sua plenitude”, afirma Zuleide. A professora chama atenção para a ausência de uma reflexão histórica profunda sobre o pós-abolição no Brasil. “Me lembro do 14 de maio, o dia depois da assinatura da Lei Áurea. Para onde migrou o povo preto escravizado? Sem terra, sem teto, sem trabalho, sem escolarização, sem comida, sem roupa? Ninguém faz essa pergunta básica”, frisou.
Segundo ela, a resposta está na realidade atual da população negra que ainda vive as consequências do abandono histórico do Estado. Zuleide explica que, para as mulheres negras, o bem viver é uma noção concreta e urgente. “Bem viver para uma mulher, mãe negra, é não ter medo de que seu filho ou filha não volte para casa. É ter dignidade na moradia e correr todo dia para cuidar dos seus”, disse.
Ela destaca que a sobrevivência em si já é uma forma de resistência. “O avanço é estarmos vivas! E todo dia movendo a economia deste país, mesmo ganhando menos que todos os outros”, afirmou. Apesar de conquistas importantes, a professora ressalta que ainda há muito a ser feito. “A garantia de uma legislação como as cotas, o direito à educação, os programas e as políticas — em especial de saúde, educação e moradia — são avanços que reconhecemos. Mas, se somos maioria, um orçamento mais robusto é essencial”, defendeu.
Adufes