Confira mais abaixo a entrevista com o diretor do espetáculo, Fernando Marques, e fotos da apresentação na Adufes
O gramado na frente da sede da Adufes, no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória-ES, recebeu no dia 14 de agosto, o Grupo Z com a apresentação da peça “Os fuzis de Teresa Carrar”. O espetáculo, gratuito, foi promovido pelo Grupo de Trabalho em Comunicação e Arte (GTCA-Adufes) e atraiu dezenas de pessoas tanto da Ufes quanto da comunidade externa.
A peça é uma adaptação do texto “Os fuzis da Senhora Carrar”, de Bertolt Brecht. Escrita em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola e o avanço do nazifascismo na Europa, a obra original tem uma evidente intenção de mobilização política, embora seja considerado um texto aristotélico que não utiliza os recursos do teatro épico que o autor já desenvolvia à época. Na montagem do Grupo Z, elementos épicos foram incorporados à dramaturgia, encenação e atuação, em continuidade à pesquisa de linguagem do coletivo, que inclui o épico desde sua fundação.
A proposta do espetáculo é provocar uma reflexão sobre a necessidade de se posicionar diante da realidade atual, sem abrir mão da mediação estética característica do teatro. Brecht viu, naquele momento, a necessidade de se posicionar e intervir na realidade em que o nazifascismo crescia no período entreguerras, como acontece na conjuntura atual. A escolha por uma montagem que abre mão dos recursos tradicionais da sala teatral teve como objetivo alcançar públicos diversos e ampliar o acesso à experiência artística.
Após a apresentação, foi realizada uma conversa entre atrizes, atores, direção e plateia, com a mediação do professor Gaspar Paz, professor do Centro de Artes e integrante do GTCA da Adufes. A atividade fez parte do Curso de Formação em Arte, Comunicação e Política do Grupo de Trabalho, tendo sido o Módulo Teatro certificado sem a necessidade de inscrição prévia.
Ficha Técnica do espetáculo:
Dramaturgia e Direção – Fernando Marques
Direção de Produção e Direção de Movimento – Carla Van Den Bergen
Direção de Arte – Francina Flores
Produção Executiva – Luiz Carlos Cardoso
Elenco – Alexsandra Bertoli, Daniel Boone, Eldon Gramlich, e Patricia Galetto
Entrevista com Fernando Marques – diretor da peça
COMUNICAÇÃO ADUFES – Primeiro dizer que compartilho do seu pessimismo (Fernando Marques já havia falado em conversa com a plateia do seu pessimismo diante do avanço do fascismo no mundo). Qual a importância de não estar neutro considerando essa angústia e o pessimismo quanto à nova ascensão do fascismo no Brasil e no mundo?
FERNANDO MARQUES – Eu acho que é muito importante não perder de vista que essa angústia é legítima. Claro, a gente vê isso tudo acontecendo e você acorda pensando que não pode piorar e aí piora. Então a angústia é legítima, mas ela não pode ser imobilizante, ela não pode ser paralisante. Quer dizer, ela não pode ser algo que nos faça entregar o jogo porque isso seria dar a vitória ao inimigo já antes de ele conquistá-la. Isso não faz sentido. Quer dizer, porque eu temo algo, temo entre muitas aspas, porque eu temo algo, eu me entrego a esse algo, eu deixo? Não faz sentido. É porque isso me angustia, é porque isso me apavora, é porque isso me agride, é porque isso me ameaça, é por isso tudo que eu preciso me mover contra isso. A gente não pode se dar o luxo de cruzar os braços.
A Guerra Civil Espanhola foi uma tragédia. Franco ganhou, houve o Ensaio da Segunda Guerra com o bombardeio de Hitler em Guernica e a gente sabe no que deu. Mas algo surgiu depois disso tudo. E parecia que não tinha saída. Você acha que a gente pode piorar muito mais para que surja algo?
Eu penso nisso às vezes. Será que vai ser necessário que a gente vá de novo ao fundo? Bom, a Palestina está aí. E o mundo está assistindo.
Exato, e como se nada estivesse acontecendo.
Mas só que eu acho que tem um agravante que é a crise climática. A gente não tem tempo para esperar o que quer que seja acontecer para se reerguer em seguida. Entende?
Então hoje é mais urgente?
Veja bem, eu não estou querendo dizer que o que acontece agora seja mais grave, sei lá, que o holocausto. Não é esse tipo de comparação. Falo em relação à questão ecológica catastrófica. A gente não tem tempo. Antes tinha uma história: estamos lutando pela revolução que nós não veremos, mas que nossos netos verão. Não dá mais. Tem que ser agora. É urgente.
E como foi o processo de adaptação do texto para o espetáculo que vocês apresentaram, principalmente considerando o que foi dito aqui na conversa com o público. É um texto aristotélico, mas vocês o transformaram em um texto épico. É do próprio Brecht, mas sem a pegada épica que ele criou e propôs após escrever “Os Fuzis da Senhora Carrar”. Como foi isso?
A proposta desde sempre foi essa. Esse texto foi escolhido também por isso. Essa era a proposta de pesquisa. Quando a gente escreveu o projeto para levantar recursos, ou seja, muito antes de ir para a sala, a proposta era essa, pesquisar o épico num texto do Brecht, mas aristotélico. O Brecht, nos diários de trabalho dele, faz uma autocrítica em relação a esse texto (Os Fuzis da Senhora Carrar) e “A Vida de Galileu” (outra peça de Brecht), se não me falha a memória, falando sobre como ele estava avançando na forma do teatro épico e como foi que ele capitulou em função das necessidades do momento. Isso é instigante. Como a gente falou, há, obviamente, uma ligação temática que é a história da ascensão do fascismo etc., que a gente vive hoje. Mas há também isso do ponto de vista da linguagem.
Adufes